sexta-feira, novembro 24, 2006

Lembram da Graça sem graça que citei a uns 4 posts atrás (pergunta) Pois é, saiu ontem na folha um texto!


por CARLOS HEITOR CONY

A GRAÇA SEM GRAÇA (folha de São Paulo)

RIO DE JANEIRO - No princípio, a inteligência estava acima de todas as coisas. Lado a lado com a beleza -que, já dizia Platão, é o esplendor da verdade. Aos poucos, com os trancos e barrancos da vida, fui percebendo que a inteligência era uma baia (não confundir com Bahia) onde a burrice se cevava, engordava, dava crias. E a beleza, bem, nada mais era do que um ponto de vista.O pôr-do-sol que admiramos do Arpoador pode ser considerado banal, dividido entre muita gente, tornando-se monótono, o que acontece todos os dias quando não chove, e é igual a outros "tramontos".Basta o cidadão se deslocar alguns metros no terreno e o Sol ainda não se pôs nem se porá, pois há o amor que move o Sol e as estrelas -e aqui entra uma erudita citação de Dante. E outra de Kipling, citada por Orson Welles sobre arte: Adão estava na dele, olhando tudo em volta. De repente, apanhou um pedaço de pau e começou a desenhar: um rosto, talvez, uma paisagem.Tal como o Senhor que o criara, Adão achou sua obra boa e bonita. Mas aí a Serpente, atrás de uma parreira, botou a sua linguinha bipartida para fora e comentou: "Sim, é bonito... mas é arte?". O drama está todo aí -e, de Adão em diante, a serpente saiu das parreiras e se aninhou dentro de nós.É bonito..., mas vale a pena? O que vale a pena? Fernando Pessoa disse que tudo vale a pena se a alma não é pequena, mas como se pode medir um valor imensurável? De graça, até a graça não tem graça nenhuma.Lembro o Adolpho Bloch, que barganhou até o impossível o preço de uma encomenda editorial. Rubem Braga, meio chateado com o secular know-how de pechinchar dos judeus, desabafou: "Tá bem, Adolpho, eu escrevo isso de graça para você!". E o Adolpho, indignado: "Não! De graça nem por um milhão de cruzeiros!".

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